Ramo Sênior

Certidão do nascimento do Escotismo Sênior no Brasil

     O artigo reproduzido a seguir abaixo[1], na íntegra, representa o âmago dos debates no Escotismo brasileiro na década de 1950. De um lado, o Dr. João Ribeiro dos Santos, que apesar de ostentar o cargo de Comissário Geral de Lobinhos, representava o baluarte do Escotismo Sênior no Brasil, que havia sido implantado na Inglaterra, no pós-guerra. Eugène Emil Pfister, da Região de São Paulo, preferia manter os três ramos iniciais do Movimento Escoteiro, Lobinhos, Escoteiros e Pioneiros. No meio deste debate, literalmente todos os demais membros. A indecisão era, em grande parte, fruto da absoluta falta de informação existente na época. O R.T.E. (Regulamento Técnico Escoteiro), teve sua 1a Edição no ano de 1952. Nesse ping-pong ideológico, ouvia-se um e outro lado, sem se compreender muita coisa. A arena era a Assembléia Nacional, de onde partiam as diretrizes para o Escotismo no Brasil. 

     O sistema educacional brasileiro na época, fruto da "Reforma Capanema" de 1932, estava baseado na existência dos Cursos Primário, Ginasial e Científico ou Clássico. ou seja, Lobinhos, Escoteiros e Escoteiros Seniores, casavam em idade, com as respectivas faixas educacionais. Na Europa, imperava o ensino tradicional, onde os jovens de 11 a 18, conviviam em entidade de ensino no regime de semi-internato ou internato, principalmente na Inglaterra. 
     Dr. João Ribeiro dos Santos, médico, atendia a rede estudantil do então Distrito Federal, acompanhando bem de perto, os anseios da juventude brasileira. 
     Pfister, seu principal opositor era natural da Suiça e, portanto, fruto do sistema educacional europeu onde estudou. Além disso era extremamente conservador, a ponto de usar jarreteiras (espécie de liga usada pelos cavaleiros medievais, logo abaixo dos joelho) para prender as meias do uniforme, de maneira idêntica aos Escoteiros ingleses. 
     Citando Gelmirez de Mello, o "Dr. João" buscava atrair para o seu lado, os membros da forte Federação dos Escoteiros do Mar, que recém aderira à União dos Escoteiros do Brasil, e que principalmente por isso, havia sido indicado para o cargo de "Comissário Nacional".
     Este documento, podemos dizer hoje em dia, foi a "Certidão de Nascimento", do Escotismo Sênior no Brasil.


                                     Moacyr Mallemont Rebello Filho

COMUNICAÇÃO apresentada ao Comissariado Técnico
Nacional pelo Comissário Geral de Lobinhos.


Dr. João Ribeiro dos Santos

 

     É com prazer que trago ao Comissariado Técnico Nacional uma notícia referente à "3a Conferência Nacional da Boys Scouts Association", realizada em Skegness, Inglaterra, de 19 a 21 de Setembro de 1952.

    Refere-se aos Escoteiros Seniores.
    Devo recordar inicialmente que na nossa Assembléia Nacional Escoteira, de Abril de 1952, um representante de uma Região que se notabiliza, entre outras coisas excelentes, por uma ortodoxia digna de todo elogio pelas idéias originais de Baden-Powell, propôs, e procurou apoio da Assembléia, para que fosse cancelada a parte de nosso Regulamento Técnico Escoteiro referente aos Escoteiros Seniores. Um dos seus argumentos era que a Inglaterra que experimentar os Seniores desde 1945, primeiro separando os Escoteiros "acima de 15" anos (over 15), depois oficialmente incluindo no P. O. R. o ramo dos "Senior Scouts", havia se convencido da inconveniência do novo Ramo e o rejeitava, unindo os Seniores aos Pioneiros, voltando à divisão de B-P em três Ramos, e começando o Ramo Pioneiro aos 15 anos. 
Valendo-me do que sabia pela leitura de "The Scouter", rebati em aparte, imediatamente, que tais informações eram prematuras e antecipadas, pois o fato de ter sido nomeada uma Comissão para estudar propostas nesse sentido, e o fato de ter sido publicado no "The Scouter", artigos assinados contra os Seniores e a favor de tal reversão em três Ramos, não significava que a Inglaterra fosse adotá-la.
     Realmente existe na Inglaterra, como deve existir em outros países do mundo, uma pequena oposição conservadora, mais apegada à letra do que ao Espírito do Escotismo de B-P, que considera Tabu tudo o que B-P escreveu e raciocinando sem lógica quer imobilizar o que foi fundado como um Movimento e que o próprio fundador, conservando o essencial e fundamental, sempre modificou e aperfeiçoou, visando solucionar problemas ou novas exigências da evolução da sociedade. Era esta oposição que, com a liberdade do pensamento democrática, fazia propostas e defendia na revista oficial suas idéias.
     Nesta ocasião também o Presidente da ANE se manifestou contrário à proposta, lembrando que a edição do R.T.E., não tinha sido ainda posta à venda e que portanto nenhuma Região teria experiência bastante para manifestar-se contra ou a favor do novo Ramo. Apoiando o Presidente, a nossa ANE, mostrando prudência e sabedoria, recusou a proposição.
Agora, no número de Novembro de "The Scouter", que acaba de chegar, no artigo sobre a "3a Conferência Nacional da Inglaterra", página 228, na parte em que relata a oração de abertura da Conferência, proferida por Lord Rowallan, Chief Scout da Comunidade Britânica, lê-se o seguinte:


     Foi saudada com aplausos a comunicação do Chefe de que as recentes sugestões divulgadas em "The Scouter" sobre uma possível fusão de Seniors Scouts e Rover Scouts foram desfavoravelmente recebidas. "O assunto está portanto encerrado". (Esta última frase está no artigo entre aspas, mostrando que transcreve o que disse o orador). 

     Na mesma revista, página 249, na parte oficial - Headquarters Notices - assinado pelo Secretário Administrativo, lê-se mais o seguinte sob o título "Seniors Scouts and Rover Scouts".

     "As respostas recebidas dos Condados e dos Distritos, e das Seções Transoceânicas (isto é, das entidades escoteiras das Colônias e Países da Comunidade Britânica, que são parte do Imperial Headquarters), com referência ao esquema sugerido para a fusão dos Ramos de "Senior Scouts" e "Rover Scouts", foram examinados pela Comissão do Conselho e, como a maioria dos pontos de vista expressos eram desfavoráveis, o esquema foi recusado". 

     Isto mostra que a experiência de 20 anos com o ramo Senior da "Boy Scouts of América", e que experiência de 7 anos da tradicional e ponderada Inglaterra, está dando certo e confirmando o que já é ponto pacífico na Psicologia do adolescente e no bom senso de quem lida com rapazes: que há uma profunda diferença entre os interesses e atitudes do rapaz no período de 11 a 15 anos e no período 15-18 anos.
Criando o ramo Senior, que é a única maneira de conservar uma percentagem maior de rapazes no Movimento depois dos 14 anos, somos mais fieis e mais ortodoxos à doutrina de B-P do que suspeita a maioria dos seus seguidores.
Baden-Powell em dezembro de 1916, no seu artigo habitual em "The Scouter", já denunciava a fuga dos rapazes aos 14 anos, propondo para evita-la exatamente a criação dos "Seniors Scouts", fazendo até concessões quanto à modificação no uniforme, tendo depois, em conseqüência dos problemas urgentíssimos de desemprego e readaptação dos jovens desmobilizados no final da guerra de 1914-1918, evoluído para escrever o "Caminho para o Sucesso" e criar o Pioneirismo, supondo talvez de uma cajadada matar dois coelhos.
     Mas o que a prática ensinou foi que o esquema Pioneiro, pegando o rapaz aos 16 ou 17 anos, deixava ainda um vazio entre os 14 e 16 anos, por onde o adolescente continuava fugindo, cansado de ser menino e de viver misturado com meninos, numa auto-afirmação que só devemos admirar.
Também a prática mostrou que dificilmente um rapaz antes dos 18 anos pode usar com plenitude o espírito pioneiro de responsabilidade, auto-direção e serviço à comunidade, atitudes que exigem uma maturidade varonil só excepcionalmente antes dos 18 anos.
     Lealmente devo relatar que na mesma 3
a Conferência o grupo favorável aos Pioneiros obteve uma pequena vitória num dos grupos de interesses especiais que, como frações da Conferência, se reuniram no sábado pela manhã. Exatamente aquele grupo que ia discutir os interesses dos "Rover Scouts".
     Mas o melhor é traduzir a espirituosa descrição, procurando, o mais possível conservar o sabor do original:
"Uma variedade de grupos de interesses especiais reclamava a nossa atenção no sábado pela manhã. Este correspondente elegeu para visitar o de "Rover Scouts" reunido na Beaver Hut (Cabeça de Castor), porque era sabido que os Delegados de mentalidade pioneira tinham sido vistos cruzando violentamente as Campinas de Lincolnshire, em direção de Skegness, de botas e esporas. Alguns insinuavam secretamente que uma espora seria cravada na sessão dos Pioneiros e a outra na reunião dos "acionistas". Na verdade a sessão dos Pioneiros teve uma espirituosa, inteligente e valiosa discussão. As esporas foram guardadas; o espírito escoteiro prevaleceu. A discussão liderada principalmente por Middlesex e Surrey centralizou-se no mais baixo limite de idade em que um rapaz deve tornar-se um Pioneiro. Middlesex (realçando que a palavra "pode" e não "deve" era preferível em Escotismo), disse que era vital para o Pioneiro ser investido antes de ir para o Serviço Militar. Apartes avivaram a discussão tais como - "O que significa o P.O.R.? - Eu direi: - significa Press on Regardless - Pressão Indiscriminada)" - ou então - "O P.O.R. é um guia para se jogar um jogo ou é um Regulamento oficializado pela Rainha?" Foi votada a questão do 17o aniversário ser o ponto de entrada para o Pioneirismo e aprovada por 99 votos contra 47. Aqueles que votaram contra desejavam 16 e meio como o limite mais baixo de idade."
     Espero que os nossos anti-seniores e pró-pioneiros, não se excedam festejando essa pequena vitória na Inglaterra. Lá a idade Senior não foi modificada com essa decisão e continua de 15 a 18 anos. O que houve foi a permissão para passar para Pioneiro desde o 17o aniversário. Aliás o nosso R.T.E. consagra a fórmula de que os limites de idade entre os ramos não são rígidos; diz a regra 10-2: - Nessas idades limites deve-se levar em conta mais o critério psicológico e fisiológico que o cronológico. Além disso a resolução ainda não foi aprovada oficialmente. No número de dezembro de "The Scouter", vem a seguinte nota oficial: "Rover Scouts" - As resoluções aprovadas no Grupos Especiais Pioneiros na Conferência Nacional de 1952 relativos a: a) Idade de admissão; b) Estatuto de Adestramento Pioneiro e c) Catálogo Pioneiro de Adestramento, estão sendo examinados pela Comissão do Conselho". 
     Aproveito a oportunidade para anunciar com satisfação que o nosso Comissário Nacional, Chefe Gelmirez de Mello, já considera a sua Tropa escoteira do Mar, o tradicional 10o Grupo, como um Grupo Senior, reconhecendo assim que normalmente todos os seus Escoteiros do Mar tem mais de 15 anos.
     Realmente as atividades da modalidade do Mar, pela vida aventureira de perigos e trabalhos, é mais apropriada para Seniores, por faltar em geral aos meninos de 11 a 14 anos o consentimento dos pais e a resistência física necessária para a vida marinheira. O mesmo poderíamos dizer da modalidade do Ar, quando viera o seu elemento para atividades de aeromodelos, vôo à vela, planadores e aviões, coisas mais adequadas para Seniores. E o mesmo para a modalidade básica ou de terra quando oferece aventura e perigo num Escotismo mais avançado, com pioneiria, real vida mateira, excursões pesadas, montanhismo e escalda.
No mais o Escotismo Senior é o mesmo do "Scouting for Boys", 100% aproveitado (e portanto num nível de 1a classe), e que for possível aproveitar no preparo da ativa cidadania do "Caminho para o Sucesso".

 

Referências Bibliográficas

[1] Revista "Alerta!", no 47, pgs. 6-7, janeiro-fevereiro de 1953.